No tempo do comboio…

Uma maneira mais cómoda de chegar à freguesia do Monte. Um ícone do turismo. Uma explosão. Assim são os 50 anos de um comboio na Madeira.

Subir de teleférico até à freguesia do Monte é um dos programas turísticos mais habituais de quem visita a ilha. É assim desde 2000, ano da inauguração da rota do teleférico que liga a Zona Velha da cidade à freguesia do Monte em 15 minutos.

Há mais de 100 anos as coisas não eram assim tão diferentes, pelo menos no que a este roteiro turístico se refere. Aliás, a construção do teleférico veio mesmo colmatar uma das ligações mais antigas à freguesia, feita através de um meio de transporte hoje extinto na região: o comboio.

A história da linha férrea madeirense começa no final do século XIX. António Joaquim Marques, nascido em Lisboa, terá sido responsável por apresentar a primeira proposta à Câmara do Funchal para criar uma ligação entre o centro da cidade e o Monte.

Mas a ideia não avançou e a concessão passou para o madeirense Manuel Alexandre Sousa. Em 1891, o projeto era finalmente aprovado e logo depois foi constituída a Companhia do Caminho de Ferro.

O primeiro troço da ferrovia foi inaugurado em julho de 1893. Ligava o Pombal e a Levada de Santa Luzia. Um ano mais tarde, em agosto, foi aberta a segunda parte linha, até ao sítio do Atalhinho, no Monte, numa extensão total de 2,5 quilómetros.

Em 1910, após “reunião da assembleia geral da Companhia do Caminho de Ferro do Monte, foi resolvido prolongar a linha férrea até ao Terreiro da Luta”, refere a enciclopédia Elucidário Madeirense.

A 24 de junho de 1912 é inaugurada a última secção, até ao Terreiro da Luta. A linha férrea passou a ter quase quatro quilómetros elevando-se quase desde nível do mar até aos 850 metros, altitude do Terreiro da Luta, onde além da estação terminal funcionava um restaurante e casa de chá com uma das melhores vistas sobre o Funchal.

A funcionar numa época de crescimento do turismo na Madeira, o Comboio do Monte assumia-se como um cartaz turístico. Max Römer, por exemplo, pintor germânico e um dos mais prolíficos aguarelistas que pintaram a ilha, imortalizou a temática do comboio através de vários postais.
A ida ao Monte era o passeio favorito dos navios que faziam escala no Funchal, muitas vezes durante algumas horas.

À entrada da cidade apanhavam o Carro Americano, carruagens que se moviam por carris usando a força da tração animal, e seguiam para a estação a Estação do Pombal e depois em direção ao Monte.

A 10 de setembro de 1919, por volta das seis da tarde, a locomotiva saía da estação do Pombal, como era hábito, em direção ao Monte. Seguiam 56 passageiros, entre turistas e moradores daquelas zonas. Vencido o primeiro quilómetro da subida há uma explosão da caldeira da locomotiva. A força da detonação fez-se ouvir um pouco por toda a cidade. O Diário de Notícias de 11 de setembro refere mesmo que “muitas pessoas supuseram ser um rumo subterrâneo”, só depois confirmado que o barulho vinha de um incidente com o comboio.

Deste acidente resultaram quatro mortos, entre eles o maquinista e o fogueiro (responsável por operar as caldeiras a vapor), e vários feridos. O acontecimento encerrou o caminho-de-ferro durante 5 meses. Reabriu a 1 de fevereiro de 1920.

A linha férrea subsistiria ainda mais 23 anos até ao seu encerramento em 1943. O crescimento do transporte automóvel e a crise começada com a segunda grande guerra, que fez com que o número de turistas na ilha baixasse, fez com que a importância do comboio na Madeira descesse.

Segundo o Elucidário Madeirense, na altura do encerramento a empresa Caminhos de Ferro do Monte contava com “quatro locomotivas e cinco vagões” de passageiros, cada um deles com capacidade para 60 pessoas.

Apesar de já terem passado várias décadas a lembrança do comboio continua presente na memória coletiva da cidade e na toponímia: Rua Nova do Comboio; Impasse do Comboio; e a Travessa do Comboio, e ainda o Caminho-de-ferro, no local onde antes estavam instalados os carris. 

Existem ainda as ruas “do Comboio” e “do Pombal”, esta última onde o edifício da antiga estação permanece, abandonado. 

A estação do Monte ainda existe. Já no Terreiro da Luta, o antigo ponto terminal é hoje uma quinta reservada para eventos. Restaurada em 2014, mantem uma vista privilegiada para o porto do Funchal sendo mesmo escolhida, por vários casais, como sítio ideal para celebrar o casamento.

Quase 125 anos depois da sua criação, a rota entre o centro do Funchal e a freguesia do Monte continua viva, agora com a viagem a ser feita pelo ar e com outras paisagens por apreciar.