Uma janela para o mar

O Funchal tem uma frente marítima completamente renovada, onde nasceu a Praça do Povo, a nova zona de lazer da cidade.

Nos dias em que o sol brilha, e isso não é raro no Funchal, os bancos e recantos da Praça do Povo, com o seu jardim de trilhos vermelhos, são um lugar ideal para contemplar a paisagem. Não há barreiras para a vista e para quem prefere caminhar, pode fazê-lo praticamente até ao nível do mar e sentir o seu aroma. Os limites são o céu e o horizonte.

Praça do Povo é uma expressão nova, que identifica um lugar, também ele novo. Foi o nome escolhido para designar o ponto principal de uma renovação completa da frente marítima do Funchal, que mudou a face da cidade e abriu novos espaços de lazer, criando ainda mais proximidade ao Atlântico.

A praça é parte de um projecto mais vasto que transformou por completo a baía. Inclui uma renovada praça da Autonomia, com a sua estátua imponente e a recuperação da Fortaleza de São Filipe, do século XV, cujos vestígios foram descobertos durante as obras. Também inclui a reorganização da marginal, a Avenida do Mar, além da um novo cais de cruzeiros e uma área para as embarcações marítimo-turísticas, além de uma praia e vastas áreas de jardins.

A história desta nova área começa com uma tragédia, a 20 de Fevereiro de 2010, quando uma violenta tempestade se abateu sobre a Madeira, causando morte e destruição e inundando e destruindo parte da baixa da cidade. A zona que agora se abre ao mar era então uma pequena praia onde foi decidido criar um aterro para depositar os inertes da tempestade, mais de 20 mil camiões, num total de 100 mil metros cúbicos de entulho, sobretudo lama e pedras. O resultado: Uma área equivalente a dois campos de futebol.

A decisão foi construir uma praça. O nome, do Povo, é uma homenagem às vítimas desse dia e ao povo da Madeira em geral, que ajudou na reconstrução das zonas afectadas da ilha, sem nunca baixar os braços. Foram também criadas estruturas para proteger a cidade de futuras tempestades e inundações. Estas estruturas são, aliás a principal razão para as obras. O lazer é uma consequência.

Mas praça é o foco principal. Parece interpretar o sentimento de nostalgia associado às cidades marítimas. É uma verdadeira plateia para ver o mar e o movimento de navios no porto, sejam grandes paquetes de cruzeiro ou embarcações de recreio. Eles passam tão perto que quase é possível tocar-lhes. Para os visitantes este é um lugar de paz, onde o bulício da vida agitada fica para trás. É em lugares como este que muitos dos passageiros dos navios de cruzeiro, afinal turistas por um dia, decidem que querem regressar e ficar mais tempo, aqui, tão perto do mar.

Regressando aos banco, ou aos degraus de cimento pensados para a contemplação, a praça tem vida própria, nas cumplicidades entre as famílias que passeiam, ou casais que namoram, ou pessoas que praticam desporto, ou fazem uma simples caminhada, ou os que apenas se deixam estar, aproveitando o espaço, uma noção nem sempre fácil de ter numa ilha montanhosa como a Madeira.

A Avenida do Mar, durante muito tempo a marginal da cidade, passou a ser o eixo central desta nova frente-mar que se transformou numa zona de acesso pedonal. De um lado o mar e a praça. Do outro os edifícios históricos que já existiam e que contam séculos de história da Madeira: o Palácio de São Lourenço; a antiga Alfândega do Funchal, hoje sede do parlamento da Madeira; ou as fachadas de arquitectura portuguesa do Estado Novo, que predominam em alguns edifícios públicos como a Capitania, a actual Alfândega, ou a sede da Empresa de Electricidade.

Se há coisa que por aqui não falta é o que ver e fazer e a criação de espaço permite fazer isso mesmo, apreciar os edifícios, ganhar perspectiva e dimensão no olhar.

Ao longo de seis séculos de presença humana na ilha, a frente-mar sofreu diversas transformações e em cada uma delas o mar parece ter ficado mais perto, assim como aumentou a relação das pessoas com o oceano.

Mas para encontrar uma transformação com esta envergadura é preciso recuar mais de um século, quando o Funchal assumiu a sua vocação de porto de passageiros e foi pensada a construção, pela primeira vez, de um cais, que ainda hoje existe e funcionou durante décadas como a entrada da cidade.

O cais foi construído em duas fases, entre 1889 e 1895 e a segunda entre 1930 e 1933. Também depressa se tornou uma das zonas de lazer preferidas dos madeirenses, além de garantir maior conforto no desembarque dos turistas que a meados do século XIX passaram a fazer férias na ilha.

Alguns anos mais tarde surgiria outra profunda mudança na baía do Funchal, com a abertura da Avenida do Mar, cujas obras decorreram entre 1939 e 1942. A avenida ganhou espaço a uma praia e foi rasgada à custa de muita polémica, mas passou a definir a nova face da cidade e de novo uma relação com o mar.

A zona deixou de ser uma espécie de armazém a céu aberto onde se carregavam e descarregavam mercadorias dos navios, para passar a ser uma elegante avenida que acompanhava o traçado da baía. Também nessa altura, os passeios na avenida tornaram-se um passatempo de eleição dos madeirenses.

Por mais mudanças que sejam feitas na baía, o mar é sempre uma constante, aqui tão perto. É ele que se estende como um tapete, por vezes revolto, a perder de vista no horizonte.