Jardim do mundo

Árvores dos cinco continentes, jardins orientais, arte africana e os segredos do interior da Terra. Tudo no jardim tropical do Monte Palace Madeira.

 

 

Com os primeiros raios de sol a romperem pelas densas árvores, o Monte é ainda um lugar calmo. A tranquilidade da mais romântica freguesia do Funchal é apenas interrompida pelo marulhar vindo do Largo da Fonte, pelas conversas de quem faz dos carros de cesto vida e pelas badaladas do sino da igreja, uma das mais icónicas para os crentes da ilha.

A visita ao templo religioso é quase obrigatória, não estivesse ali sepultado o último imperador austríaco, Carlos I da Áustria. Falecido em 1922, o monarca passou os últimos meses da sua vida exilado na Madeira, após a Primeira Guerra Mundial.

Apesar de ser um lugar de fé, o Monte é também um lugar de jardins. E são muitos os que têm uma vista privilegiada sobre a cidade. É o resultado de uma aposta feita desde muito cedo na construção de várias quintas madeirenses, que são casas apalaçadas rodeadas por jardins. E é também o resultado de o Monte ser uma estância turística desde o século XIX.

O teleférico, que liga a localidade ao centro do Funchal é a forma mais contemporânea de aqui chegar. Junto à estação está a porta de entrada num dos locais mais interessantes desta localidade: O Monte Palace Madeira.

Cerca de duas horas e meia e calçado adequado é tudo o que é necessário para explorar os cerca de 70.000 m2 do jardim tropical mais famoso da ilha.

Cicas da África do Sul, orquídeas dos Himalaias, sequoias da América, azáleas da Bélgica e oliveiras milenárias da zona do Alqueva (Portugal). No Monte Palace Madeira a palavra "viagem" encontra-se subentendida entre cada degrau, cada cascata e cada flor. Mas respira-se Madeira aqui. Na zona este do jardim, há um local destinado apenas a espécies endémicas da Laurissilva. Há o loureiro, o til, o vinhático e o barbuzano. A faia, o mocano, o folhado e o cedro-da-Madeira. E outros. Há toda uma floresta confinada a um lugar de destaque no jardim tropical.

Trata-se de uma viagem pela natureza, mas ela é também histórica. Começando do topo norte do jardim, 40 painéis contam a história de Portugal, desde a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, passando pela ocupação definitiva do Algarve no tempo de D. Afonso III, indo à reforma feita por D. José I até a implantação da República Portuguesa em 1910.

Através de duas exposições permanentes chegam-nos outras histórias. Do Zimbabué conta-se a evolução da primeira geração artística saída da região de Tengenenge. Esculturas feitas em serpentinito recriam faces, animais e formas abstratas. Já na mostra "Segredos da Mãe Natureza", do interior do planeta surgem 1.000 amostras minerais oriundas de partes tão dispersas como o Brasil, Zâmbia ou América do Norte. Expostas em cavidades, os exemplares tentam simular o ambiente de formação dos minerais.

Nem todos os segredos do Monte Palace Madeira estão bem guardados e os mais românticos agradecem. A varanda de Romeu e Julieta é paragem obrigatória para os casais. Ao som dos cliques, enamorados replicam as poses das personagens de uma das mais famosas histórias de amor da nossa cultura.

O jardim não é só dos românticos, mas também dos supersticiosos. Ao longo do percurso, Lina Macedo, umas das guias, explica que ao tocar num dos budas situados à entrada do jardim oriental norte é-nos gracejada sorte. Há ainda o dragão da fertilidade, o poço dos desejos e um leão com uma esfera na boca, no jardim oriental sul. Quem rodar o globo pode também esperar boa fortuna. Pelo sim, pelo não, o melhor é tocar em cada um destes amuletos.

Se a sorte estiver do lado leitor, irá chegar à zona do lago central e do palácio com bom tempo (e na Madeira isso é fácil de acontecer). Se ainda utiliza máquinas de rolo, é aqui que o tem de gastar. O lago, com a sua apaixonante cascata, e a vista da parte frontal do palácio são tirados de um livro de fantasia.

Ao caminhar ao ritmo do balançar dos ramos das árvores, é fácil sair da ilha e voltar. Aliás, é esse o objetivo do jardim. Uma das ideias de José Berardo, o impulsionador do espaço, era dar a oportunidade a quem nunca saiu da ilha de poder conhecer outras partes do mundo. O sítio é mesmo inspirado nas viagens do empresário madeirense. Uma dessas viagens, ao continente asiático, é bem visível ao longo do percurso. Os dois jardins orientais transportam os visitantes para um local longínquo, entre o conhecido exército de terracota, os irrequietos peixes Koi, as vívidas pontes vermelhas e os símbolos imperais.

Depois de uma autêntica volta ao mundo, a viagem ao jardim tropical termina com uma degustação de vinho Madeira na esplanada localizada numa das extremidades do parque. Aqui é o local para recuperar forças, inspirados na vista sobre a capital madeirense.

A história do Monte Palace Madeira começa no século XVIII, com a aquisição por parte do Cônsul britânico Charles Murray da propriedade situada a sul da Igreja. Em 1897, Alfredo Guilherme Rodrigues, um homem de negócios madeirense, adquiriu a propriedade e mandou construir uma casa apalaçada, inspirada nos traços arquitetónicos que ele próprio observara na região do Reno, que visitou no prolongamento de uma viagem à Exposição Internacional de Paris, em 1900. Nascia assim um hotel de luxo, denominado "Monte Palace Hotel".

Após a morte de Alfredo Guilherme Rodrigues, em 1942, o local permaneceu abandonado até 1987, data em que José Berardo adquiriu o espaço, que é hoje propriedade da Fundação com o nome do empresário madeirense. Quatro anos depois, o jardim abriu as portas ao mundo, tornando-se num local de referência. Em 2013, o jardim tropical Monte Palace Madeira entrou para a lista dos 14 "Mais Belos Jardins Botânicos do Mundo", num ranking elaborado pela Condé Nast Traveler.