Gin com alma portuguesa

A moda do gin chegou a Portugal e à Madeira e são cada vez mais os bares que oferecem um conjunto de marcas, servidas de muitas formas.

Basta entrar em muitos bares do Funchal e lá estão eles: copos-balão, repletos de uma bebida com gelo e rodelas de limão ou lima, framboesas ou até algumas bagas de café a dar ainda mais graça à mistura. De uma bebida que poucos consumiam – apenas restavam alguns fiéis apreciadores de gin tónico, muito por culpa da forma como este era mal servido nos bares nacionais -, o gin explodiu em Portugal. Bares de gin por todo o lado, cocktails e mais cocktails à base da bebida, cinco gins lançados no espaço de um ano, a celebração do 1º Dia Nacional do Gin Tónico em Portugal a Junho de 2013 e até o surgimento de uma revista, a Zest, uma iniciativa da Gin Lovers – fundada por um conjunto que apreciadores da bebida - que é descrita como “a primeira revista do mundo exclusivamente dedicada ao gin”.

Podemos associar o regresso do gin em Portugal a um fenómeno que também se tem assistido em Inglaterra: um que viu a bebida “mudar-se dos clubes de golfe para os clubes nocturnos” - como descreveu Geraldine Coates, a autora do livro The Mixellany Guide to Gin - e a conquistar uma clientela bem mais jovem, sequiosa do glamour e sofisticação associados ao gin, tão presente em séries como Mad Men. Por outro lado, bares como o Oasis, no resort de cinco estrelas Vila Vita Parc, em Porches, nunca perderam verdadeiramente essa tradição. Quem já teve o prazer de conhecer o head bartender Joaquim Veras, sabe o que um balcão em madeira à antiga e um gin tónico preparado na perfeição podem fazer pela alma, tal como, inversamente, as proporções erradas de água tónica e gin, servidas em copo alto, estreito, com muito gelo, sem espaço para a tónica e com gin de qualidade duvidosa, faziam com que a frase “Não gosto de gin” fosse um lema para tantos.

Agora, o gin surge em todo o seu esplendor: servido num copo de balão, mais largo, com espaço para a sua dose ideal – 5cl de gin para 20cl de tónica – e para todos os complementos que EE EE os bartenders, agora rendidos à versatilidade da bebida, lhe quiserem juntar.

Mas como é que esta criação holandesa, cujo maior consumidor mundial são as Filipinas - bem como a Inglaterra, Holanda e EUA - se tornou moda em Portugal? A culpa é de nuestros hermanos, eles próprios 'vítimas' de um boom recente nos últimos anos. Aliás, segundo o primeiro número da Zest, lançado em Abril, foi um galego, Luís Carballo, quem a trouxe para Portugal. Carballo é o fundador da Taberna Moderna, em Lisboa, e também do Lisbonita Gin Bar, que oferece uma selecção de mais de 60 gins. “Havia oito” no mercado nacional, contou ele à Zest, quando abriu a sua casa de petiscos ibéricos em que se insere o Lisbonita, em 2012.

Gin com alma portuguesa

Hoje, são muitos os bares ligados ao gin. Só no norte do país, Miguel Camões é sócio de dois, o Gin House, na baixa do Porto, e o Gin Room, em Vila do Conde. É também fundador do Plastic Deluxe Club, na Póvoa do Varzim, que, apesar de ser um bar generalista, conta também com um bom serviço de gins, e ainda sócio da distribuidora de bebidas Discube. Foi o grande sucesso do Gin House, no final de 2012, que fez Miguel começar a pensar em lançar o seu próprio gin. Entrou em contacto com a espanhola Cristina Codesito, que já fazia gin em Espanha, e lançaram o NAO em Dezembro de 2013. Não sendo um gin português – o NAO é destilado em Inglaterra, porque, segundo Miguel, “Portugal não tinha uma destilaria com o “aporte técnico” que lhe permitisse “fazer o gin que queria” -, esta é uma bebida com “alma portuguesa”. Isto porque apesar de ser um London Dry na sua base (o tipo de gin mais conhecido mundialmente), o NAO estagia depois durante uns meses em barricas de vinho do Porto. “É um gin com tons suaves dourados devido ao estágio. A nível olfactivo, tem algumas notas de especiarias e cítricos frescos (laranja e limão) e notas de baunilha.”

Distribuído em todo o país e prestes a ser exportado para Espanha, o NAO Premium Gin tem tido uma boa recepção no mercado, com Miguel a revelar que poderá lançar outro produto já em 2015. O primeiro lote, com 5 000 garrafas, já foi vendido, e o segundo será lançado em breve. Para os que já compraram uma garrafa (preço de prateleira de 39 euros), fica aqui a dica do perfect serve – a melhor forma de o servir é com uma casca de laranja e três grão de café arábica.

Quanto à “moda” do gin, Miguel acredita que o consumo deverá atingir o pico em 2015 e depois estabilizar em níveis próximos dos actuais. “Não creio que irá desaparecer, as pessoas tratam-no como um culto, bebem-no mesmo em casa.”

Gin na panela de pressão

António Cuco partilha da mesma opinião. O professor de Turismo desempregado que virou produtor de gin acredita que Angola e o Brasil vão ser os próximos mercados da bebida, muito por influência dos portugueses. “É uma importação fácil”, afirma. Produzido no Alentejo, em Reguengos de Monsaraz, o Sharish Gin é o mais recente gin português a chegar ao mercado – na verdade, os portugueses têm apostado na qualidade, já que todas as bebidas lançadas no mercado nacional são premium. A de António não é excepção: são nove os botânicos utilizados no seu gin, sete por destilação e dois por infusão pós-destilação.

Licenciado em Turismo e sócio de um restaurante em Reguengos de Monsaraz, o produtor era há vários anos um apaixonado da bebida.“É a única bebida alcóolica que bebo”, conta. Com cerca de 40 gins no seu restaurante, acedeu ao desafio de um cliente, que lhe disse que deveria criar o seu próprio gin. Após uma primeira tentativa falhada, dedicou-se a uma pesquisa séria sobre o assunto. Resultado? Acabou a produzir gin numa panela de pressão adaptada como alambique até chegar a uma receita – muito próxima da actual – que foi um sucesso entre amigos. Para além da casca de limão e laranja frescas (a maioria das receitas incorpora casca desidratada) da sua própria quinta, o Sharish distingue-se pelo uso da lúcia-lima e ainda da maçã portuguesa Bravo de Esmolfe DOP como botânicos. Ambos os ingredientes trazem memórias de infância ao produtor e tornam este gin “mais redondo, agradável e fácil de beber”.

Desde que o gin foi oficialmente lançado, em Abril deste ano, já foram vendidas cerca de 3 000 garrafas, e António já tem contratos de exportação fechados para Angola e Suíça. No Algarve, o Sharish é distribuído pela Garrafeira Soares, com um preço de prateleira que pode rondar entre os 30 e os 37 euros. Para o produtor, o seu grande objectivo é vê-lo premiado em concursos e ter uma bebida que “os barmen gostem de servir”, seja com laranja, lima ou limão, zimbro e tónica Indian para um serve de Verão, ou com maçã Bravo Esmolfe e tónica Fever Tree Mediterranean para um perfect serve de Inverno.

Se o Sharish foi o último gin português a aparecer no mercado, o Big Boss foi o primeiro. Lançado oficialmente em Agosto de 2013, este é um gin que conta com quase 30 anos de experiência. Isto porque a Scorpio, a sua representante e distribuidora, pode ter só sido criada em 1998, mas é detentora de todos os registos e patentes da Caves Neto Costa, empresa que em 1985 lançou o gin Commodore.

“Apercebemo-nos desta tendência que veio de Espanha e resolvemos lançar no mercado um gin com tradição mas da nova geração”, explica Paulo Pereira, director comercial da Scorpio. Assim nasceu o Big Boss, um gin com quatro destilações e 11 botânicos, entre os quais o zimbro, a raiz de angélica e o cardamomo, que é “muito versátil, permitindo várias preparações”. Produzido perto de Leiria e com um preço de prateleira que varia entre os 25 e os 27 euros, o Big Boss pode ser encontrado nas maiores garrafeiras nacionais, bem como no Luxemburgo, Suíça, Bélgica, Andorra, Angola, Austrália e Brasil. “As pessoas ficam muito agradadas com a sua versatilidade, é um gin muito comercial.”

Foi este sucesso que impeliu o lançamento de mais um gin da Scorpio em Agosto deste ano, o Big Boss Floral, com 13 botânicos, que segue as EE EE mesmas características do seu antecessor, mas com notas mais florais. “Muitas pessoas procuram gin floral com framboesas e frutos vermelhos e quisemos responder a essa procura do mercado.”

Gin para todos os gostos

E inovação é o que não falta no mercado português. Um mês depois do lançamento do Big Boss, surge no mercado o primeiro gin premium biológico da Península Ibérica, o Templus. Produzido pela destilaria biológica Oficina de Espíritos, em Évora, este gin é produzido com aguardente de cereais biológicos e 13 botânicos, destacando-se o poejo e a hortelã da ribeira que, segundo o proprietário da empresa, João Malheiro, lhe dão “características herbais”.

Com uma produção que ronda as 2 000 garrafas e um preço que ronda os 40 euros, a distribuição tem sido assegurada por distribuidores locais, lojas gourmet e de produtos biológicos, mas João encontra-se à procura de um distribuidor nacional, para além de estar a negociar a internacionalização do seu gin na Holanda, França, Bélgica, Espanha, Angola e Moçambique.

Garantindo que as reacções até agora têm sido óptimas, o produtor aconselha a que o Templus seja servido com uma água tónica neutra de qualidade e com casca de limão e uma folha de hortelã; casca de laranja e bagos de romã ou simplesmente duas a três azeitonas verdes.

Essa é uma característica também comum aos vários gins portugueses presentes no mercado: têm personalidade, mas são versáteis, permitindo uma grande variedade de combinações. “Este maior leque de gins que existe no mercado tem permitido conseguir um maior leque de clientes”, salienta Miguel Camões. Biológicos, com estágio em barricas de Porto, com maçã Bravo de Esmolfe ou limões da Costa Vicentina parece que o gin português veio para ficar. Afinal, como diz António Cuco: “Nunca conheci uma pessoa que não gostasse de gin. Pode não gostar de todos os estilos, mas há sempre um que se adequa.”

Gin na Madeira

Na Madeira, existem alguns bares que fazem do Gin a sua bebida de eleição seguindo então a tendência que se vai observando no resto do país.

O Santa Maria é um desses espaços que vêem no Gin um motivo de diferenciação de outros bar tradicionais. O espaço situado na Rua de Santa Maria possui na sua carta trinta e nove referências desta bebida, existindo preços para todas as carteiras. Entre os mais requisitados pelos clientes do espaço estão o Monkey 47, Martin Milner e Ophr.

Já no sofisticado Cocktail Bar do Hotel Reid’s, hóspedes e demais podem também saborear de forma calma todos os prazeres do Gin. Com nove referências, destacam-se o tradicional Hendrick’s, o G’Vine e o GinMario. No Reid’s há algum tempo que a carta de cocktails oferece a mistura de gin com funcho ou com casca e sumo de pepino.

Com recurso a especiarias, citrinos e outros tipos de fruta, o Gin é uma bebida cada vez mais na moda, conquistando mesmo aqueles que não fazem do gin a sua bebida de eleição. Para além do Santa Maria e do Reid’s, bares como o Barreirinha Bar Café, que possui seis referências, Trap, com vinte e noves diferentes tipos de gin, e o 5.º Juízo Wine and Gin Bar, são também outras opções no mercado madeirense