Vinho ao jantar

A escolha dos vinhos e o trabalho dos sommelliers é cada vez mais importante no mundo da gastronomia.



Os sommeliers estão tão na moda quanto o culto em torno dos vinhos que servem. Têm funcionado como embaixadores dos vinhos portugueses, em relação aos quais a curiosidade internacional é cada vez maior.

“Vinhos made in Portugal estão na moda!”, diz à Essential António Lopes, do Conrad Algarve, distinguido como o melhor sommelier de Portugal. Foi um dos convidados da edição deste ano do festival gastronómico Rota das Estrelas, que começou no Il Gallo D’Oro, no Funchal, e percorre outros restaurantes portugueses e espanhóis, distinguidos com estrelas Michelin.

Ao desafio de reunir chefes premiados o grupo Porto Bay, organizador, quis destacar o trabalho de quem lida com os vinhos. Os sommeliers tiveram a missão de servir e aconselhar os mais de 60 vinhos. A maior parte, mais de metade, são portugueses, feitos a partir de castas na sua maioria também portuguesas.

Foi uma oportunidade de divulgação, mas também de colocação dos vinhos portugueses ao lado dos melhores produtos como as ostras, o caviar, o lavagante, o carabineiro, as trufas ou a lagosta.

Sérgio Marques, sommelier do Il Gallo D’Oro, teve a seu cargo a harmonização com a comida. Escolher vinhos portugueses representa uma opção entre dezenas de castas, muitas delas desconhecidas internacionalmente.

Na pairing entre vinhos e pratos nos festivais gastronómicos, as escolhas estão muitas vezes relacionadas com os patrocinadores. O processo começa dois meses antes: “Peço vinhos encorpados, ligeiros, com mais fruta, com menos fruta. Peço brancos frutados, Porto, colheitas tardias...”.

Sérgio Marques explica que “os chefes mandam-me a ementa e eu já faço uma pré-seleção, que é de cabeça”. Só quando os chefes chegam são feitas as provas já com o prato e afinada a escolha dos vinhos.

Há harmonias por tradição, por contraste, por equilíbrio, “mas é o conjunto que devemos sempre procurar”. A boa harmonia, diz Sérgio Marques, “vê-se na expressão do cliente”, ou, como explica António Lopes, tem de ser “algo memorável, que faz um cliente soltar um ‘uau’”. O que se procura obter é “harmonia, ligação, um aperto de mãos”, defende Sérgio Marques.

António Lopes lembra que as opções de combinação entre comida e vinhos variam com o cliente, pois tudo é “muito pessoal”. Para ele “o vinho é capaz de elevar o prato a outro nível”.

Sérgio Marques sente que o papel dos sommeliers está a ser valorizado, por causa da grande moda do vinho. “Toda a gente está apaixonada pelos aromas, o vinho é estatuto!”. Mas João Chambel, do Estado D’alma, um bar & bistro em Lisboa, e também vencedor do prémio de sommelier do ano, defende que ainda tem de haver mais aposta no serviço de vinhos.

António Lopes complementa com fator negócio: “Cada vez mais as pessoas nos aliam a qualidade no serviço, a uma experiência exclusiva”. Esta aposta torna o sommelier “indispensável num restaurante” e tem reflexos nos resultados comerciais: “A cozinha traz um lucro mais fixo em que as margens não variam muito, mas os vinhos geram margens de lucro que podem variar imenso!”

Em grande parte do Mundo pede-se o vinho pela casta. Mas em Portugal existem centenas de marcas e rótulos. Sérgio Marques considera que isto se deve “à paixão, em que cada um quer fazer o seu vinho”.

António Lopes aponta o clima e a diversidade de castas como um fator de diferenciação dos vinhos portugueses e quantidade de rótulos representa diferenças reais entre os vinhos, “qualquer pormenor na vinha ou na adega muda o produto final”. Sérgio Marques concorda que essas diferenças correspondem a sabor e lembra que os vinhos portugueses também são caracterizados pelo seu terroir.

João Chambel acrescenta que “todas as semanas surgem rótulos novos”, o que obriga um trabalho de atualização permanente.

Nos restaurantes que apostam nas garrafeiras surgem cada vez mais clientes que fazem as escolhas da comida a partir do vinho. No Il Gallo D’Oro Sérgio Marques contabiliza que “cerca de 45%”. João Chambel até nem usa carta de vinhos: “Tenho a minha carta, mas toda a gente me pede o que vai beber e depois, consoante isso, escolhe o prato.” Já a experiência de António Lopes é diferente. Existem pessoas a escolher primeiro o vinho, mas é ainda “algo muito pontual”.

O que os sommeliers pretendem é reconhecimento, para eles e para os vinhos numa constelação de estrelas onde é difícil ficar indiferente ao renome internacional dos chefes que se juntam num festival como a Rota das Estrelas.

Mas Georges dos Santos, um lusodescendente estabelecido em Lyon, que tem a maior coleção de vinhos portugueses em França e um sommelier que há vários anos faz da sua atuação um verdadeiro espetáculo mediático, alerta para o facto de nos festivais e mesmo nos restaurantes, não se dever tirar o foco dos chefes e da comida. O vinho surge como a peça que completa o puzzle.

Além do vinho a Rota das Estrelas voltou a ser um festival onde a comida foi elevada ao mais alto nível.

Além do jantar volante Kitchen Alive, com mais de uma dezena de chefes convidados e 29 estações de comida e bebida, a Rota das Estrelas ficou marcada por dois jantares de degustação, que no conjunto reuniram chefes com um total de oito estrelas Michelin. Outra aposta foi a pastelaria com a presença dos pasteleiros premiados franceses Julien Boutonnet e Christophe Renou.

O festival contou com a presença de um grupo de chefes do Algarve: os estreantes Henrique Leis e Rui Silvestre, ambos com uma estrela Michelin e os habituais Hans Neuner e Dieter Koschina, com duas estrelas. Outro grupo de chefes, todos com duas estrelas Michelin viajou da Holanda: Michael Van der Kroft, Erik van Loo e Richard van Oostenbrugge.

Entre os convidados estavam ainda os portugueses Kiko Martins, Paulo Morais e Miguel Gameiro e os franceses Olivier Barbarin e David Faure.