É das bebidas mais consumidas da Madeira é tradicional e tem sabido adaptar-se aos tempos. A Essential foi beber uma poncha!
Quando alguém visita a Madeira pela primeira vez, há sempre quem recomende: “Tens de provar a poncha!”. Quando se regressa, muitos voltam a procurar esta bebida, que é um dos mais fortes sinais de identidade gastronómica desta ilha.
A poncha é um elemento da história da Madeira, ao mesmo tempo que é uma bebida largamente consumida nos círculos sociais e da noite. Tem passado, mas acima de tudo tem presente. É um produto tradicional que tem sabido reinventar-se e continua a ser única.
A razão está no rum, conhecido localmente como aguardente de cana-de-açúcar, produzida a partir das canas cultivadas na Madeira desde o século XVI. A esta aguardente junta-se sumo de limão e mel de abelhas, misturados em partes mais ou menos idênticas, mexidos com um pau dentado, o mexelote, conhecido por muitos como o pau da poncha, entre outros nomes.
Mas a grande revolução da poncha, nos últimos anos, foi a diversificação de sabores, ou a simples introdução de gelo, que atenuou o intenso sabor da aguardente. De uma bebida forte, de tasca, consumida por homens de barba rija e bebida de um só trago, a poncha tornou-se um elegante cocktail, em que o limão deixou de ser a única fruta utilizada e em que a suavização do sabor levou a que o número de consumidores aumentasse, sobretudo um público mais jovem e mulheres.
Esta revolução não tem autor conhecido, nem data. Mas presume-se que tenha sido na cidade piscatória de Câmara de Lobos que começaram a surgir as primeiras propostas recorrendo à tangerina, ou à laranja. Só no centro da cidade, no Largo do Poço, existem alguns dos mais famosos bares de poncha da Madeira, onde os sabores como maracujá, ou até pitanga e hortelã estão ao dispor dos consumidores.
Fora de Câmara de Lobos a oferta multiplica-se, pela zona velha do Funchal, na Serra de Água, na Encumeada… por todo o lado.
Só que esta inovação trouxe também a introdução de vodca como a bebida alcoólica utilizada para misturar na chamada ‘poncha de frutos’ e torná-la mais suave, com um grau alcoólico mais baixo, permitindo que os aromas da fruta sobressaiam. Essa introdução, apreciada por uma parte dos consumidores, levantou um problema de identidade e levou a críticas dos mais puristas, para quem poncha tem de incluir aguardente de cana.
As autoridades regionais da Madeira estão apostadas em transformar a poncha numa marca regional, protegendo-a de imitações. Mas o uso da vodca impede que isso aconteça. Foi a pensar numa solução para o problema que uma empresa madeirense, a J. Faria e Filhos, lançou no mercado um novo rum, o Lido, que tem o objetivo de substituir a vodca na poncha de frutos.
Luís Faria, produtor, explica que se trata “de um produto menos aromático e muito mais suave”, capaz de garantir a mesma suavidade da vodca e assegurar a identidade madeirense da poncha.
Aos poucos, nas prateleiras dos bares, começa a aparecer o Rum Lido. Luís Faria assume estar satisfeito com as vendas. É um produto com um grau alcoólico de 38%, que é sensivelmente o da vodca e por isso adequado aos sabores mais exóticos de poncha, como maracujá, kiwi, tomate inglês ou pitanga,
Luís Faria explica que a diferença entre o Rum Lido e a tradicional aguardente de cana, que a empresa também produz, está “na própria seleção das canas”. Para o Lido são escolhidas canas com um teor de açúcar mais elevado. Outras diferenças estão na forma como a bebida é destilada e fermentada.
No resultado, o tradicional rum ou aguardente de cana da Madeira é mais aromático, mais forte, com um sabor intenso a cana-de-açúcar. O Rum Lido é menos aromático e por isso deixa que os aromas das frutas sobressaiam na poncha.
Com a introdução deste produto no mercado deixa de haver obstáculos à certificação da poncha como produto da Madeira. Continua, por um lado, a existir a poncha tradicional, de limão, com mel, feita com aguardente e onde o objetivo é que sobressaia a aguardente. Por outro lado, continuam a existir as outras versões, com frutas variadas, onde o engenho inventivo dos empresários não para de surpreender.
Segundo o historiador Alberto Vieira, a poncha está ligada à história do açúcar na Madeira. E se numa primeira fase a plantação de cana-de-açúcar serviu para a produção do próprio açúcar, desde o século XIX os engenhos dedicaram-se à produção de rum, ou mesmo de álcool.
Na obra “A civilização do açúcar no Atlântico” o historiador destaca o papel da Madeira como pioneiro no cultivo de cana-de-açúcar, uma técnica que depois foi levada através do Atlântico para o Brasil, África e Caraíbas.
É desta expansão que resulta um padrão comum entre a poncha da Madeira, o ponche de Cabo Verde e a caipirinha do Brasil. Todas estas bebidas têm o rum como base, o sumo de um citrino e a mistura de açúcar ou mel de abelhas.