A alma dos vinhos

Um dos mais conhecidos sommelieres de Portugal é o madeirense Sérgio Marques para quem os vinhos são uma paixão.

Todas as noites o ritual repete-se, Sérgio Marques lidera o desfile de copos sobre as mesas do restaurante Il Gallo D’Oro, no Funchal, com duas estrelas Michelin. Com um avental em couro e sorriso aberto, é ele quem conduz a maior parte dos clientes pela descoberta dos vinhos portugueses, que com exceção do champanhe, compõe a carta do restaurante, várias vezes distinguida com o Best Award of Excelence pela Wine Spectator.

“Este é um vinho feito a partir de vinhas velhas”, explica a um cliente, enquanto exibe uma garrafa de branco. Na prática significa ter um vinho mais concentrado, um traço que valoriza muitos vinhos portugueses.

“Portugal tem vinhos únicos! Tem vinhos fantásticos! Tem muito bons vinhos!”, assume à Essential. O país tem uma longa tradição vinícola. É um território dividido em várias regiões com pequenas parcelas e por isso não faltam castas tipicamente portuguesas.

Mas nos últimos anos têm surgido cada vez mais referências de vinhos feitos em Portugal com castas internacionais, como Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, entre outras. Sérgio Marques considera que a tendência já foi maior, mas essas produções são uma resposta ao mercado, porque “os clientes não reconheciam Touriga Nacional, por exemplo, ou não iam reconhecer um Tinto Cão”. Mas “se ler Pinot Noir, o cliente não se importa se é de Portugal ou de outra origem”.

Cabe aos sommeliers explicar aos clientes as características dos vinhos portugueses, cujas castas “são um dos pontos mais fortes dos nossos vinhos”. Isto porque “em todo o lado se bebe Pinot Noir, Chardonnay, Sauvignon Blanc… em Portugal bebemos Tinto Cão, Rabigato, Esgana Cão, coisas únicas que em outro lado não se bebe.”

E perante a curiosidade dos clientes diz que o segredo é “saber o que o cliente quer”, porque “se o cliente me pede um Pinot Noir, e eu dou-lhe um Baga, nada tem a ver. Tenho de saber o que é que em Portugal equivale a um Pinot Noir”, que neste caso podia ser “um vinho da casta Bastardo”, por exemplo. Mas muitas vezes os restaurantes “não estão preparados”, porque nem sempre têm esses vinhos nas cartas.

O clima e o solo fazem a diferença nos vinhos em Portugal ou em qualquer parte do Mundo. Na Madeira, a origem vulcânica do solo confere-lhes maior acidez. Aqui a produção de vinhos tranquilos não é secular como o famoso vinho Madeira, fortificado. Mas Sérgio Marques expressa a convicção de que “a Madeira vai ser a melhor região de Portugal em espumantes e vamos ter e já temos brancos fantásticos também, e tintos difíceis, mas de terroir”. Explicando: “eles são assim! Não vamos inventar! Não vamos identificar como um vinho da Borgonha. Ele é assim! Tem mais acidez, é mais difícil, mas é um vinho madeirense.”

No caso do vinho Madeira fortificado o desafio é outro, é harmonizá-lo com a comida. “Algumas casas adaptaram os vinhos para serem mais subtis”, mas desde sempre “o vinho Madeira casou bem a gastronomia”. “Faço pairings com patés, ou com sushi… Sercial com sushi fica fabuloso, ou com ostras. Tudo o que envolva frutos secos vai bem com vinho Madeira”. A principal dificuldade é combinar o Madeira com “as carnes vermelhas”, mas “peixes brancos, com acidez alta, ligam bem com Madeira”.

A harmonização com a comida é a prova de que o papel dos vinhos evoluiu e com ele a importância dos sommeliers. A Madeira acompanhou a evolução: “já vou a restaurantes onde me recomendam vinhos com a comida”. Essa recomendação pode nem sempre ser boa, mas “já há uma recomendação”, confessa Sérgio Marques. “Além disso temos já copos adequados, temperaturas adequadas, já se olha para o vinho como uma forma de gastronomia, de paixão e não como forma de ganhar dinheiro.”

Os clientes também estão mais atentos e são mais críticos, mas às vezes “sem fundamento”. Sérgio Marques alerta que “vinho é tempo” e que “não se aprende vinhos de hoje para amanhã, ou não se lê um livro e já se sabe de vinhos, ou tiramos um curso e já sabemos sobre vinhos.

O caminho que lhe valeu o reconhecimento começou com a entrada no mundo da hotelaria, em 1999. Desde cedo procurou “ir mais além neste mundo que na altura era algo básico!” Hoje fala com a propriedade de quem foi considerado sommelier do ano pela revista portuguesa Wine e é um dos mais reconhecidos profissionais de vinhos de Portugal.

E como é que tendo chegado a esse patamar se continuar a evoluir? “Evoluímos com os outros, a partir de certa altura”, pela troca de ideias, porque este é um mundo apaixonante, considera, ao ponto de “conseguirmos, num copo, saber de onde vem aquele vinho”, ou sentirmos um aroma que desperta memórias, muitas delas, de infância. Sérgio Marques sintetiza: “É ter alma! É ter terroir!”.