Um vinho com nome de ilha

Em Setembro a vindima é uma festa, mas nas vinhas o trabalho para produzir um dos vinhos generosos mais famosos do Mundo dura todo o ano.

 

Um Madeira seco com água tónica ou um Madeira doce com gelo e sumo de laranja? Com a chegada do verão o vinho ganha outro sabor e as invenções, tantas vezes criticadas pelos puristas, também ganham visibilidade. Durante as noites de festa as sugestões multiplicam-se, de copo para copo, de local para local. Quem desfruta do vinho que tem nome de ilha reconhece o seu paladar e o seu aroma distinto. Mas onde começa o processo que o faz ser tão popular e em tempos, o vinho mais caro nos Estados Unidos?

Trinta anos após o povoamento da ilha, por volta de 1450, já era produzido vinho. A dimensão física Madeira é maior do que o tamanho da garrafa que contém o vinho homónimo. É do tamanho do Mundo. E isso sente-se quando se visita a ilha.

Entre o fim de agosto e o início de setembro, altura em que se iniciam as vindimas, as festas em honra do vinho marcam a animação em diversos pontos da ilha. São eventos associados à colheita das uvas e ao início da produção.

A Festa do Vinho, de 27 de agosto a 10 de setembro, e a Festa da Uva e do Agricultor, a decorrer nos dias 2 e 3 de setembro no Porto da Cruz, são exemplos de celebrações. Pela mesma altura, em Santana, o hotel da Quinta do Furão convida os mais românticos para um jantar entre as vinhas do hotel. Mas noutras quintas, e noutros pontos da ilha há outros eventos com o motivo comum.

A animação procura homenagear a tradição e o trabalho, por vezes invisível, desenvolvido durante todo o ano para que o vinho saia na perfeição. A tarefa começa longe dos olhares de todos… nas vinhas.

As vinhas na Madeira não têm a extensão visual das do Douro ou das do Alentejo. Encavalitadas nas encostas de inclinação acidentada servem de aperitivo ao carater único deste vinho fortificado, arrancado pelo Homem a uma orografia quase impossível. No total, a produção de vinhas para vinho generoso totaliza apenas 400 hectares, distribuídos maioritariamente por São Vicente e Santana, na costa norte, e por Câmara de Lobos, no sul.

Algumas são tão antigas como a presença humana na ilha. É o caso da Quinta Grande, no concelho de Câmara de Lobos, onde se situa uma das maiores manchas contíguas. Ali, a vinha é devota exclusivamente ao cultivo de uvas adequadas à produção de vinho Madeira, com 10 hectares de propriedade dedicados à produção da casta Verdelho. 

Tal como a propriedade das Preces, um terreno com 1,3 hectares, as vinhas da Quinta Grande pertencem à produtora Henriques & Henriques. Ao longo de todo o ano, é necessário um cuidado permanente. As particularidades do processo estão já identificadas há muitos anos. “As vinhas na Madeira exigem um acompanhamento muito intenso” porque o solo de origem vulcânica “necessita de análises de matéria orgânica e mineral” para que se possam fazer as correções necessárias, refere Maria Luz Aguiar, da produtora fundada em 1850.

Assegurar a fertilidade do solo, seguir “as boas práticas ao longo do ciclo da videira” e, por vezes, fazer correções do pH, sempre com o cuidado para não descaraterizar os frutos das vinhas desse solo, são também algumas das preocupações de quem vive a indústria durante o ano inteiro, acrescenta Francisco Albuquerque, enólogo da Madeira Wine Company, produtora responsável pela exploração de 7,5 hectares de vinhas, divididas entre a Quinta de Santa Luzia, no Funchal, e a Quinta do Bispo e a Quinta do Furão, ambas em Santana.

Após a preparação dos terrenos, as vinhas são então podadas, amarradas e, caso necessário, procede-se à substituição de algumas plantas. Durante todo o ano, os agricultores acompanham regularmente os vinhedos, fazendo face a todas as contrariedades possíveis, principalmente as climáticas. O facto de a Madeira ser uma ilha, implica também muito cuidado com o espaço utilizado para as vinhas.  

“O cuidado das vinhas é muitíssimo importante porque é assim que se asseguram colheitas de uvas saudáveis e produtividades que justifiquem os investimentos. Sem isso, corre-se o risco das plantas adoecerem e até morrerem”, refere Maria Luz Aguiar.

Na altura das vindimas há um jogo de charme entre quem colhe as uvas e o próprio fruto. É preciso saber olhar, colher as que têm o grau de maturação mais adequado, é preciso não misturar os cachos sãos com os que estão danificados, isto num contra relógio, já que “o tempo entre a apanha e o processamento deve ser o menor possível” para evitar “fermentações indesejadas”, avança Francisco Albuquerque.

E no final de todo o processo, como é que sabemos que estamos a obter um vinho Madeira de qualidade? Maria Luz Aguiar revela que se “a fruta for boa, o sumo será bom e logicamente o vinho também”.

Uma boa estrutura, uma acidez adequada à sua conservação, frescura suficiente para que seja submetido a um processo de envelhecimento, armazenado em cascos durante anos, e uma capacidade de resistir ao efeito do oxigénio, da temperatura e da influência da madeira de carvalho. Simples. Assim parece quando o Madeira está no copo, pronto a saborear.