A primeira vez que Jean Truter veio à Madeira foi em 1947. Pensava ter entrado num livro colorido com imagens exóticas. Quase 70 anos depois é aqui que se sente em casa.
Pela sua cultura ou pela sua história, ou simplesmente pelo facto das pessoas “não sorrirem da mesma forma” para nós, é normal não nos identificarmos com o país que nos viu nascer e ir à procura da nossa “casa”, ou da que deveria ter sido desde o derradeiro início. “As injustiças da Natureza, vá: Não as podemos evitar”. As palavras são do poeta português Fernando Pessoa, na obra “O Banqueiro Anarquista”, mas poderiam ter sido proferidas por Jean Truter.
Nascida a 3 de Agosto de 1937, em Chesterfield, Inglaterra, cresceu entre as mudanças profissionais do pai, professor de física, e as mudanças impostas pela guerra que a Europa viveu entre 1939-1945. Conheceu vários locais como Sandwich, Rochdale, Mansfield ou Tredegar, no País de Gales, a que chamou casa.
Terminada a guerra, o pai recebeu uma proposta de trabalho na África do Sul. A família partiu para o extremo sul do continente africano. A odisseia teve uma pequena paragem, de apenas vinte e quatro horas, “na mais bonita das ilhas do atlântico”.
Foi a 24 de Agosto de 1947, que o navio Cape Town Castle fez escala na Madeira. Acompanhada do pai, da mãe e do irmão mais novo, Jean Truter tinha apenas dez anos e chegava a um “mundo novo”. Ainda no navio, o pai avisou-lhe: “Tu vais aprender tanto, num curto espaço de tempo. Esta é uma ilha de ciência, admiração e beleza “.
Nas primeiras horas após pisar terra firme descobriu, no Monte, as paisagens e um olhar limpo sobre o mar. Visitou a igreja, desceu nos tradicionais carrinhos de cesto e viu algumas das imagens de Max Römer. Desta viagem guarda a admiração de ter visto bananas pela primeira vez, frutos que pensava que apenas existiam “nos livros coloridos”, e o contraste entre uma nação saída da guerra (o Reino Unido) e a “simpatia e felicidade” das pessoas da ilha.
Anos mais tarde, voltou a Inglaterra e, já formada em química, não esqueceu aquela que foi a sua primeira grande viagem. Voltaria à Madeira em 1979, acompanhada pelo marido.
A primeira grande diferença que notou foi que já “não havia bois na rua”. O sentimento pela ilha, esse manteve-se: “Existia algo de especial na Madeira, não sei como explicar mas, quando estava aqui sorria durante todo o tempo. Quando estava em casa, sentia saudades.”
Volta nos três anos seguintes e só não continuou a regressar porque a morte do seu companheiro, em 1982, travou as visitas à sua ilha da “felicidade”. Quinze anos mais tarde decide voltar. Nunca mais parou de regressar, até aos dias de hoje, já lá vão mais de 25 vezes.
A história de Jean Truter podia ser a de muitos milhares de visitantes da Madeira que regressam após o primeiro contato com a ilha. Só que neste caso é uma vida inteira de regressos.
A residir em Yorkshire, Inglaterra, confessa ter vendido a casa e mudado para um apartamento mais pequeno, apenas para ter dinheiro para ficar mais tempo na Madeira.
As estátuas, os túneis, que tornaram vários cantos da ilha “acessíveis”, e, mais recentemente, a nova Praça do Povo, no Funchal, fazem-na afirmar que “há sempre algo de novo” quando retorna. A construção do aeroporto foi a obra que mais a impressionou. Mas por mais mudanças visuais que possam existir, Jean diz que o mais importante nunca mudou: As pessoas são “sempre amáveis”.
Dos seus locais favoritos, escolhe a “fantástica” Ponta de São Lourenço, e os “extraordinários” miradouros que envolvem o Curral das Freiras.
Na gastronomia regional, é uma “entusiasta” do vinho Madeira, bebendo um copo sempre depois das refeições. O prego no bolo-do-caco é uma das primeiras iguarias que pede sempre que está na ilha.
Jean aproveita todas as viagens para aprofundar os seus conhecimentos sobre ilha. “É aqui que eu me sinto feliz, onde sinto que deveria ter nascido” e por isso não perde uma oportunidade de pesquisar e explorar assuntos relacionados com a Madeira, “quanto mais descubro, mais sinto que é aqui que eu pertenço”. No Hotel Royal Savoy, onde costuma ficar hospedada, descobriu a Essential Madeira, no ano passado, e tornou-se nossa assinante: “Apaixonei-me por esta revista, adoro os artigos e revela-me o mais importante”.
Este ano, pela primeira vez, vai passar a noite de fim-do-ano na Madeira… a prova de que após tantos regressos há sempre coisas novas por descobrir.