A porta para o Mundo

Passaram mais de 100 anos desde a criação do organismo que gere o Porto do Funchal, mas esta baía já acolhe navios há quase 600 anos.

Mesmo antes de no Funchal ter sido construído um porto esta baía já servia de abrigo a navegadores, que aqui carregavam mantimentos e água para as longas travessias do Atlântico. A Madeira, a par com a ilha espanhola de Tenerife, funcionava como um dos últimos pontos do mundo conhecido. E assim, esta ilha, esta cidade e esta baía foram saltando para as bocas do Mundo, como porto seguro para viajantes, aventureiros, exploradores e marinheiros. A noção de porto propriamente dito, como uma estrutura a funcionar de forma organizada só acontece em meados do século XVIII, por iniciativa do rei D. José, que em 1756 assina a carta régia que põe em marcha a construção de um porto de abrigo no Funchal. A primeira etapa, uma curta ligação ao ilhéu e forte de São José, estaria concluída em 1762.

A dimensão reduzida da infraestrutura não impediu que cada vez mais navios demandassem o Porto do Funchal, à medida que aumentavam as rotas marítimas para o Atlântico e para o Índico, e à medida que os caminhos marítimos iam sendo desbravados. Por aqui passaram navegadores portugueses, mas também exploradores como o capitão James Cook, nas suas duas viagens de exploração, em 1768 e 1772. No século XIX, o mesmo século que Napelão Bonaparte fundeou no Funchal a caminho do exílio na ilha de Santa Helena, o porto viu chegarem os navios a vapor. A ilha tornou-se também um ponto de abastecimento de combustível, primeiro carvão e mais tarde derivados do petróleo. Mais perto do fim do século a necessidade de um cais acostável tornou-se evidente. Foi construída a ligação ao Ilhéu de Nossa Senhora da Conceição, concluída em 1889. 

O crescimento da actividade e a necessidade de melhoria de acessos e infraestruturas levou à criação, a 13 de Agosto de 1913, da Junta Autónoma do Porto do Funchal. A data foi assinalada pela Administração de Portos da Madeira, com um ciclo de conferências que decorreu até Maio de 2014, além de várias outras actividades. A criação da Junta Autónoma é considerada um momentos determinante no desenvolvimento do porto, apesar de terem passado vários anos até que fossem concretizados investimentos de vulto. A construção do cais da cidade do Funchal foi concluída em Maio de 1933. Seis anos mais tarde o cais de acostagem do Funchal, conhecido por "Molhe da Pontinha", é aumentado em 317 metros. A ampliação final, em mais 457 metros, foi concluída em 1961, dando ao porto a dimensão que tem hoje.

Por tudo isto, quando se olha para fotos antigas da baía do Funchal podemos traçar a história do século XX observando a estrutura do Porto. A última grande intervenção, a Gare Marítima, foi inaugurada já no século XXI, em 2010 e corresponde a um moderno terminal de cruzeiros, por onde circulam mais de meio milhão de passageiros por ano, fazendo deste o maior porto de cruzeiros de Portugal. Antes dos cruzeiros e ao longo de todo o século XX, o crescimento do movimento de navios, pessoas e mercadorias foi uma resposta a navios cada vez maiores e a um aumento da circulação de pessoas entre a Europa e o resto do Mundo. Mesmo com o facto de no virar do século o tráfego para o Oriente ter sido desviado com a construção do Canal do Suez, a Madeira continuou a ser escala de viagens para a América do Sul e África, sobretudo África do Sul e colónias portuguesas. A fama da Madeira também foi atraindo visitantes. Alguns deles vinham para ficar, o que deu origem ao Turismo na ilha.

Após a II Guerra Mundial o transporte de passageiros foi retomado com as linhas entre Southampton e a Cidade do Cabo ou entre Itália e Buenos Aires, para citar apenas alguns exemplos. Este movimento de passageiros durou ainda toda a década de 1960 e metade da década de 1970. Estas rotas estão na base de um forte movimento migratório de madeirenses, primeiro para a África do Sul e Brasil e mais tarde para a Venezuela.Com o crescimento do transporte aéreo o Funchal acompanhou a tendência mundial de perda de passageiros nos navios. Isso não impediu que o advento da aviação comercial, os hidroaviões, também tivesse passado pela baía do Funchal, o porto onde chegou de navio o estadista britânico Winston Churchill, nos primeiros dias de 1950 e partiu de hidroavião, alguns dias mais tarde.

Nos anos de 1970 o avião substituiu definitivamente o navio no transporte de pessoas, mas abriu-se o universo dos cruzeiros, que desde cedo começaram a fazer escala no Funchal. Os primeiros navios de cruzeiros, de bandeira soviética e passageiros sobretudo nórdicos, começam a fazer escala ainda nos anos 60. Mas o grande crescimento desta actividade regista-se a partir dos anos 80 e sobretudo da década de 1990. Feitas as contas, o Porto do Funchal e a sua baía têm uma história tão antiga como a colonização desta ilha, que tem quase 600 anos. Por aqui passaram, por exemplo, os navios das expedições da conquista do Pólo Sul comandadas pelos britânicos Robert Scott ou Ernest Shackleton, ou do norueguês Roald Amundsen.

Amundsen foi o líder da primeira expedição a atingir o Pólo Sul a 14 de Dezembro de 1911, ficando para a História. Essa viagem, a bordo do navio Fram, teve início no Verão de 1910 e fez escala no Funchal, entre 6 e 10 de Setembro. Foi aqui que a tripulação ficou a saber que o destino era a Antártida e que a viagem era secreta. Uma vez mais, este porto, esta baía e esta ilha funcionavam como a última paragem antes da grande aventura, desta vez... até aos confins do Mundo.